
Quando eu tinha 11 anos e decidi que Direito não era pra mim, eu pensei em muitas profissões antes de chegar em
Psicologia. Uma das minhas ideias foi ser escritora, porque eu amava ler e escrever estórias, mas rapidamente deixei de lado a ideia porque concluí que eu não ia conseguir escrever com prazos e que ia ser difícil ganhar dinheiro e viver de livros no Brasil. Uma menina de 11 anos bem sensata, se me permitem a falta de modéstia.
Mal sabia eu o quão certa eu estava.
No ensino médio, eu era o sonho de todo professor de humanidades: eu lia, facilmente, cerca de 5 ou 6 livros por mês, mais de um livro por semana - e estamos falando de livros de 200, 300, 400 páginas. Eu era a única aluna que usava a biblioteca com frequência, passava horas madrugada a dentro pesquisando e lendo sobre personalidades e fatos históricos que não me ensinavam de escola, aprendendo uma língua por conta própria traduzindo músicas e quadrinhos, e aos 15 eu estava usando óculos porque o excesso de leitura, aparentemente, desgastou minha vista antes do tempo (e hoje, aos 29, eu tenho 3 graus de miopia. Mas essa é genética mesmo).
Todo mundo estava sempre elogiando os textos e estórias curtas que eu publicava na internet, sempre tirei notas boas em redação e meus professores diziam com frequência que eu ia me dar muito bem na faculdade porque "pra fazer psicologia tem que gostar muito de ler". Ler e escrever eram as minhas paixões, e manter um blog por 18 anos cheio de resenhas, textos críticos, uma história aqui e ali e várias indicações deve ser algum indicativo disso.
Bom... Era, eu acho.
Daí chegou o cursinho.
Aos 19 anos eu fui monitora em uma franquia grande de cursinhos. Pobre, de família pobre, estudando em escola pública a vida toda com várias defasagens acadêmicas, não tinha inteligência que me fizesse passar direito no vestibular - então eu me inscrevi num processo seletivo e por 1 ano trabalhei como uma condenada em troca de uma bolsa integral. E embora não tivesse nada sobre no meu contrato, havia um acordo não dito de que os monitores serviam de exemplo aos demais alunos, então eu tinha que estudar muito, me destacar nos rankings dos simulados, passar no vestibular na primeira chamada; eu acordava as 5h da manhã, entrava às 8h no trabalho (às vezes às 6h, pra cobrir outras pessoas), parava às 14h pra almoçar e estudar e assistia às aulas das 19h às 22h. Chegava em casa por volta de 22h30, tomava banho, jantava e ia dormir depois da meia-noite, pra no dia seguinte fazer tudo de novo. Trabalhava de sábado e em alguns domingos, e eu trabalhei logo depois de passar domingo e segunda na 2ª fase da Unesp - que, na época, era dissertativa nos dois dias. Eu tinha que ler todos os jornais diariamente e selecionar as notícias importantes aos outros vestibulandos, que pagavam o cursinho, e montar um mural. E eu estava constantemente em pânico com a ideia de que tinha que ler tudo e saber tudo, porque não sabia o que ia cair no vestibular ou nas propostas de redação.
Em 2012 eu passei na primeira chamada da Unesp, em psicologia, e o cursinho usou a minha foto pras propagandas como mais um caso de sucesso da franquia (isso estava no meu contrato, aliás). Apesar dos poucos privilégios, entrei no curso dos meus sonhos em uma das melhores universidades públicas de São Paulo e do país. E a partir daí eu comecei a lentamente perder a vontade de ler e escrever.
Em 2013 eu enfrentei a minha primeira greve, fui expulsa da casa da minha avó no meio de um semestre (porque ela decidiu que estava muito velha e queria ir morar com meu tio, mas "na casa dele não tem espaço pra você") e precisei sair correndo atrás de uma bolsa na faculdade pra conseguir me manter, além de um lugar pra morar e sem baixar minha média acadêmica. Fui bolsista de extensão e de iniciação científica (via FAPESP), e as pessoas a minha volta constantemente falavam do quão incrível era uma aluna de 2º ano já fazendo pesquisa. Em 2014 enfrentei minha
segunda greve, e quase tranquei o curso - mas pensei no quão difícil seria voltar pro interior e me formar, vindo de uma família pobre, e continuei cursando (com muito custo, aliás). Em 2016, no meu
último semestre (foram 10), enfrentei a minha
3ª greve e taquei o foda-se, e enviei mais uma proposta de pesquisa à FAPESP por puro tédio. Me formei com todo mundo me dizendo o quão incrível eu era por ter duas propostas aprovadas por uma das melhores agências de fomento a pesquisa do país e que eu poderia ir direto para o mestrado, porque tinha mais artigos científicos e capítulos de livros publicados do que muitos mestrandos da mesma universidade. E eventualmente desisti de ficar me justificando sempre que dizia que não queria seguir na carreira científica e me defendendo das acusações de "desperdício de talento" que eu ficava recebendo de professores e colegas.
Foi só no fim da graduação que eu me dei conta do quão
mentalmente exausta eu estava. Eu lia um livro por semana pra cada uma das minhas disciplinas, e com o tempo a literatura tornou-se uma tortura - ler era uma tortura, sentar na frente do computador ou dos cadernos e rascunhar um texto me fazia chorar, porque eu estava de domingo a domingo vomitando palavras, resumos pra congressos e textos científicos que eram sempre elogiados, mas eu não conseguia mais gostar de nada. Saí do grupo de estudos que eu adorava com a desculpa de que "vou começar os estágios e terei menos termpo", mas a verdade é que
eu não aguentava mais escrever. Comecei a me colocar de cabeça na blogosfera e a fazer metas literárias todo ano, na tentativa de voltar a gostar do que eu amei por tantos anos. E toda vez que eu leio tantos blogs que escrevem tão bem e tão bonito, de forma poética e emocionante, eu me sinto frustrada por perceber que eu estacionei e desisti de melhorar a minha escrita.
Eu não gosto mais de escrever. Me magoa muito que eu não consiga mais colocar sentimentos em palavras, mobilizar as pessoas e desenvolver um talento que eu obviamente tenho, porque eu estou exausta. Eu estou exausta há 10 anos, e eu nunca consigo descansar o suficiente e voltar a sentir prazer nas coisas que eu amava. Eu só consigo fazer leitura dinâmica e escrever o que está literalmente passando na minha mente, sem pompa nem cuidado, e se sai algo bacana é porque é tenho um ótimo vocabulário. Não me traz mais a mesma satisfação, e ficar quase 2 meses abrindo o blogger toda semana pra tentar falar das coisas legais que eu fiz nos últimos 5 meses e não conseguindo tirar uma frase só me prova o quanto eu
preciso me dar o direito de não escrever e não ler mais. Eu não sou menos legal, menos inteligente e menos qualquer coisa por estar cansada, e eu não deveria me sentir mal com isso no nível que me sinto.
A escrita pra mim sem pre fluiu, assim como a leitura, e ter que me obrigar a fazer metas pra provar pra mim mesma que eu ainda consigo gostar disso não é saudável. É dolorido e triste, bem triste, e eu não preciso me colocar mais nesse lugar. Em algum momento, alguma coisa - interna ou externa - criou uma barragem nesse rio, e eu não ganho nada além de feridas e sangue tentando escavar ela com minhas próprias mãos. Eu preciso me deixar curar antes de voltar pra esse lugar, que foi muito seguro por muito tempo pra mim, mas que agora é só um doloroso lembrete do quanto eu não estou bem.
Deixar fluir. É disso que eu preciso agora.
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