
B.,
Eu queria te ver quando eu olho no espelho. Você me parece ser tão sensata, tão inteligente, tão comedida. Você nunca fala sem pensar, e em função disso nunca se arrepende do que fala. Você tem muitos amigos, porque as pessoas gostam muito de te ter por perto, e você é sempre tão educada, tão humana, tão incrível e tudo e tal. Você escreve sempre tão bem, com muita sabedoria e esmero, e nada do que você faz parece impulsivo, aleatório ou não-planejado.
Você é desejável. Você não tem medo de explorar o seu potencial nem se sente insegura ao fazer as coisas que você está careca de saber que pode fazer. Você fez aquele mestrado, as pós-graduações, investiu na sua carreira sem medo e seguiu crescendo e causando admiração nas pessoas. Você não se deixa abalar pelas suas falhas, porque você sabe que é melhor do que elas, e você não deixa as pessoas falarem contigo como se tivesse 5 anos. Você não parece se sentir uma eterna criança perdida no meio dos adultos, e eu acho que isso é o que eu mais invejo em você.
Você lidou com muita finesse com as perdas e soube seguir cultivando as boas relações que você tem. Você não parece uma boneca quebrada com quem as pessoas brincam por pena, e você não parece uma pessoa imatura que não sabe lidar com as próprias emoções. Eu queria te ver quando eu olho no espelho, mas no fundo eu sei que o espelho é só um pedaço de vidro e metal, e que mesmo que eu parecesse ser tudo isso que você é, você não é muito humana.
Você é o que as pessoas querem que eu seja, e é por esse motivo que eu e você não somos a mesma pessoa. Você é grande, incrível e segura de si, confiante, mas eu acho que eu sou arrogante o suficiente sem todas essas qualidades pra me incentivar. Acho que eu já sou inteligente o suficiente mesmo sem que os outros me valorizem - mais importante, acho que eu mesma preciso valorizar as minhas habilidades, mesmo sem ter todas as conquistas e troféus que eu acho que você tem.
Talvez eu seja só uma criança no meio dos adultos, mas eu não sei se eu ia gostar de ser quem você é. Porque você não sou eu, e por mais que você pareça ser uma pessoa incrível, será mesmo que você é? Será que você se sente feliz e realizada quando você está sozinha num apartamento que é grande demais pra você? Será que ser ovacionada pelas pessoas te faz se sentir completa, ou será que você olha pra mim - essa versão cafona e sem-graça de você, e também sente inveja?
Eu queria ser muito melhor, sabe. Eu queria ser como você, mas, se eu fosse, eu acho que ia sentir falta de mim mesma. Das minhas infantilidades e cafonices, das minhas inseguranças e das coisas que eu vejo quando olho no espelho - nem todas elas são bonitas e eu não gosto de algumas, mas são elas que me fazem ser eu, e talvez eu possa viver com isso, se é que me entende.
Eu acho que você me entende. Talvez você nem tenha esses sentimentos ruins que eu acho que você possa ter, porque você certamente está com a terapia em dia e tudo o mais. Talvez você nem saiba que eu exista, embora eu tenha desejado ser você muitas vezes. Mas você não é real, e eu sou, e talvez a diferença seja justramente essa: pra ser real, a gente tem que ser imperfeita, também. E eu sou, bastante.
Eu espero que, caso você exista em alguma realidade alternativa, que você não se sinta assim. Que você tenha amor próprio (porque você parece ter), e que se sinta segura de si e amada pelas pessoas que te rodeiam. Que você aproveite os bons momentos que a vida de traz e que você se sinta feliz. Essa é a pessoa que eu queria ser, e eu espero que, em algum lugar, você seja.
Com carinho e admiração,
B.
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